Uma preocupação atormenta aqueles que exercem ou desejam exercer atividade militante relacionada ao audiovisual: como fica a questão da exibição de fita ou de DVD em espaço público? Posso?
Se for exibição pura e simples, principalmente comercial, sem autorização dos detentores dos direitos de exibição, não pode, enquanto a legislação não for alterada. As cópias de filmes que andam pelas locadoras de fitas de vídeo e de DVD são destinadas para uso exclusivamente doméstico. Há legislação e tratados internacionais que regulam essa prática.
Sucede que boa parte da produção audiovisual não atinge o grande público porque este não tem dinheiro e porque não compreende aspectos dessa linguagem. Cineclubistas de todo o país - particularmente em áreas carentes das grandes cidades ou em cidades médias e pequenas, em que muitas vezes não há cinema e todos estão condenados à programação de gosto para lá de duvidoso das TVs abertas - têm se esforçado para superar essa dificuldade de compreensão realizando estudos que envolvem a comunidade - e que dão muito certo.
Esses estudos não podem ser realizados sem que a obra seja assistida. Agora, estudar não é crime, e ninguém pode proibir que isso seja feito. O assunto é polêmico, todavia, se desejamos contribuir para que parcelas cada vez maiores da população tenham acesso a esse saber essencial nos dias de hoje, não podemos ficar enroscados em burocracias.
As atividades cineclubistas são por natureza sem fins lucrativos, de caráter cultural e de vocação inclusiva. Quando pessoas reúnem-se, seja onde for, para estudar uma obra, não estão burlando nenhuma lei.
O que não pode ocorrer de forma alguma é a desvirtuação dessas atividades cineclubistas. Muitos espertalhões já usaram e continuam a suar o termo "cineclube" para encobrir atividades essencialmente comerciais. Mas, nesse caso, cabe aos órgãos fiscalizadores tomar providências para pôr fim a essas práticas deletérias.
Se estudantes e professores de uma escola, ou membros de uma comunidade, organizam um cineclube para estudar e debater filmes, para difundir a cultura audiovisual, para tomar domínio e posse da realidade a partir de obras que lhes suscitam reflexões, não estão fora da lei.
Há algum tempo, soube de trabalhadores que se reúnem, em Osasco/SP, há mais de 4 anos, para assistir aos mais diversos filmes. Lá pelas tantas, a empresa percebeu que isso era bom para todos, cedeu horário durante a semana, equipamentos, sala e pizza. Sim, pizzas. E há quatro anos funciona o Cinepizza: filmes e, após a sessão, conversa sobre cinema e comida de paulista. Quem dera todas as empresas resolvessem fazer igual.
A legislação que regula o funcionamento dos cineclubes é do período da Ditadura e necessita de alterações, pois as novas tecnologias possibilitaram uma democratização que encontra entraves nos monopólios da produção audiovisual - as famosas "majors". No artigo de 16/6/2004 (Tem coisa que não cola), tratei desse assunto.
Porém, essas alterações só virão se houver pressão suficiente da parte de quem necessita dessa democracia.
Cito outro caso, agora, para que se veja o quanto é importante agir, ao mesmo tempo em que se tomam precauções para não se incorrer em ilegalidades.
De Ilha Solteira, em São Paulo, um companheiro escreveu-me expressando sua disposição de organizar um cineclube na cidade. E em que necessidades se apoiam essa disposição? Bem, a cidade foi área de segurança nacional, tem autonomia recente, uma ou outra videolocadora e o cinema mais próximo fica a mais de 60km de distância.
A disposição desse companheiro, cujo nome não cito em razão de não ter pedido autorização, é a do cidadão que luta pela democratização dos bens culturais. Organizar um cineclube em Ilha Solteira é um ato de cidadania, de inclusão, de progresso. Seja em VHS ou DVD, em 16mm ou 35mm, Ilha Solteira merece, o Brasil merece, a democracia merece.
Fica a mensagem: não exibam os filmes! Em VHS ou DVD, em 16mm ou 35mm, estudem-nos. Não é crime: é cineclubismo, é cidadania. E vamos pressionar nossos parlamentares, municipais, estaduais e federais, para que legislem em favor do cineclubismo, que nada mais é do que a comunidade organizada tomando domínio e posse de seus direitos sobre as imagens e sobre a sua própria identidade.
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