sábado, 11 de junho de 2011

Sem pressão, necas

2/2/2005

O domínio da linguagem audiovisual é, hoje em dia, tão necessário quanto o domínio das letras. No mundo contemporâneo, estar-se privado do alfabeto é sinônimo de exclusão social, desconhecer os segredos que envolvem a linguagem audiovisual é estar duplamente excluído, é ser, no limite, duplamente analfabeto – essa palavra que dói nos olhos e nos ouvidos, mas que traduz com inteireza grande parte do drama que atinge largas  parcelas da população brasileira, mesmo nos grandes centros urbanos.

E não chega a ser uma contradição o fato de a televisão ter lugar nos lares da imensa maioria da população brasileira, pois o acesso ao aparelho não resulta necessariamente em reflexão crítica sobre os conteúdos por ele veiculados.

No caso brasileiro, muito pelo contrário, particularmente no que tange às TVs abertas, que são as de maior alcance, praticamente toda a programação volta-se para banalização da violência, para a manipulação antiética da opinião, para a criação de estereótipos eivados de preconceitos raciais, sociais, culturais, de gêneros entre outros.
Os proprietários das concessões públicas (observe-se que contra-senso a propriedade de uma concessão) argumentam que a interferência nos conteúdos veiculados trata-se de censura, pois afeta a liberdade de expressão.

Nesse caso é oportuno perguntar quando é que a realidade do desempregado brasileiro será tratada pelas redes de TV. Ou ainda, quando é que o cotidiano do trabalhador ocupará protagonismo nas ficções televisisvas.
A lógica dos meios de comunicação é aquela apontada por Marx há muito tempo: a das classes dominantes. E é de surpreender que vez por outra um autor consiga furar o bloqueio da censura ideológica das emissoras para tratar, ainda que subsidiariamente, de problemas que afetam o povo brasileiro.

Novelas que abordem a situação dramática das crianças nos faróis das grandes cidades estão por acontecer. Produções que focalizem a família operária, às voltas com a limitação de horizontes em razão dos baixos salários ou do desemprego, nem passa pela mente de nenhum núcleo de produção. Os sonhos do jovem da periferia ou das zonas rurais carentes não encantam o patrocinador.

O que é isso senão censura, da mais violenta?

Tomemos alguns casos em que as mídias se apresentam como porta-vozes do “consenso”: Em nível internacional, no caso da invasão do Iraque, os “mocinhos” são os EUA, os terroristas são os que resistem; no da Venezuela, os democratas são os EUA, o ditador é Ugo Chaves. Em nível nacional, o projeto do governo federal de democratização do audiovisual é “censura”, mas a manipulação dos problemas brasileiros pela programação das TVs em geral é liberdade de expressão; o projeto de Jandira Feghali para a regionalização da produção é interferência indevida, mas o monopólio dos meios de comunicação é “livre iniciativa”.
Para que uma situação como essa não perdure, é preciso que escolas públicas, de todos os níveis, mas também sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais mergulhem na discussão sobre as linguagens audiovisuais, pois é por meio delas que muito da identidade, da imagem e da memória de segmentos da sociedade, do povo e da nação é registrado e difundido.

Mudanças importantes só ocorrem com forte pressão das bases da sociedade, e ainda que o atual governo tenha boa vontade, sem um forte movimento de apoio a mudanças, o poder do capital continuará a falar mais alto.  O atual recuo do governo na estratégia de ação no que diz respeito ao projeto da ANCINAV é reflexo de uma correlação de forças não tão favorável às forças da mudança.

Sob esse aspecto, a ofensiva dos monopólios, ao final do ano passado, surtiu algum efeito, que precisa ser neutralizado – com arte, mas também com mobilização dos setores organizados – para que alguma democracia penetre a televisão brasileira e para que nosso cinema ganhe impulso verdadeiro.

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