sábado, 11 de junho de 2011

Cinema e inclusão

4/8/2004

Ontem fui procurado pelo Coordenador de uma ONG que vem trabalhando no Jardim Piratininga, Grande São Paulo, com meninos e meninas carentes. Seu relato é comovente e reflete bem um fenômeno que, mais e mais, alastra-se pelo país: a expansão do trabalho social voluntário.

A solidariedade, que andou em baixa nos auges do neoliberalismo, ganha impulso e vai dando soluções para os estragos feitos pelo egoísmo individualista da década de 1990.

A casa em que a ONG funciona tem diversas atividades recreativas, educativas, culturais e de formação, tais como peças de circo, aulas sobre higiene e saúde, música, cursos de marcenaria etc.

O motivo da procura? Simples faltava algo que o Coordenador descobriu pelos jornais e pelo contato com uma conhecida sua: faltava cineclube.

Na conversa que tivemos, em que acordamos a elaboração de um projeto voltado para crianças e adolescentes, discutiu-se o alcance das atividades audiovisuais na casa, suas possibilidades e a importância dessa iniciativa para a vida daqueles meninos e meninas aos quais foram negados direitos básicos, da alimentação à moradia, do alfabeto ao agasalho no frio, da assistência à infância aos alimentos do espírito.

Ficou combina: semana que vem sai o projeto do papel, com responsáveis e parceiros. O equipamento, vídeo, dvd, projetor de multimídia?será emprestado - já há quem se tenha disposto a ajudar nesse aspecto básico. O pessoal especializado para tratar com a moçada? estudantes do Curso Normal Superior e Pedagogia já se apresentaram. Orientação sobre filmes, documentários, práticas sociais relacionadas ao audiovisual? militantes cineclubistas já se comprometeram.

Uma criança carente que passa a ter acesso ao cinema, e que passa a ser educada para entendê-lo e criticá-lo, não está tomando posse apenas do objeto fílmico, mas também está tomando posse de seus direitos de cidadã. Ao tomar contato com o mundo por meio do cinema, seja ele ficção ou documentário, não está apenas se inserindo no mundo simbólico contemporâneo: está tomando domínio da construção de sua própria identidade.

O cineclubismo é uma atividade variada, que abrange desde iniciativas em universidades e sindicatos à organização de grandes cineclubes de rua, como o Cauim, em Ribeirão Preto ou o que abriga o MovimentaCine, o Cine Mococa.

Não melhor nem pior, mas diferente porque de outra natureza, a organização de cineclubes junto às populações carentes cumpre assim dupla função: a de inclusão simbólica e a de inclusão social.

Essa diversidade é um verdadeiro maná para o movimento, e quanto mais as comunidades descobrem o audiovisual e a versatilidade das novas tecnologias, mais sentem a necessidade de incorporá-los a suas práticas sociais.

Alguns entendem que o audiovisual e essas novas tecnologias devem restringir-se à classe média. Alguns, em linguagem em que alternam-se clichês desgastados e ofensas a Deus a ao mundo, não se pejam de atacar de sindicatos de aposentados a grêmios estudantis que organizam cineclubes. Para eles, o cineclube não pode se misturar com outras instituições, pois perdem assim sua pureza cineclubística. Que dizer então de um cineclube que nasce no interior de uma outra organização! Ora, que heresia!
O fato é que cineclubes não têm fórmula para nascer nem para viver. Quando uma comunidade associativamente toma posse e domínio consciente do audiovisual, nasce um cineclube.

Há quem deseje tornar-se porteiro do movimento cineclubista, estabelecendo regras, normas, etiquetas e poses para que se possa ingressar nele. A realidade não lhes interessa. Vaidosos, jactam-se das amizades influentes e ora transmutam-se em George Bush, ora em Bin Laden; oram enviam tropas, ora homens bomba para aniquilar adversários.

Enquanto isso, entidades sociais buscam apoio em setores mais arejados do movimento cineclubista para realizar suas metas de inclusão social e cidadã. Felizmente, têm encontrado e, tudo indica, encontrarão cada vez mais.

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