sábado, 11 de junho de 2011

Inocência útil

16/2/2005 

As discussões em torno da qualidade da programação da TV e seus efeitos para a sociedade têm encontrado adversários que, sob o pretexto da censura, tergiversam sobres o tema  da necessidade de regulamentação e controle externo das emissoras de TV. Antes de mais nada, é essencial a diferenciação entre censura e regulamentação, aplicadas no caso específico dos meios de comunicação.

Criada por Ato Institucional (o mais famoso deles o AI-5) na década de 1960, durante a ditadura militar, a censura só foi extinta pela Constituição de 1988. Sua função era a de interferir diretamente não apenas nos conteúdos exibidos ou difundidos pelos meios de comunicação de massa: também o teatro, as festas populares, as comemorações públicas eram alvo dessa máquina exageradamente burocrática cujo objetivo final era conter o “fantasma do comunismo”, evitando que ele “corroesse” os valores entendidos pelos generais como essenciais à pátria, à família e à propriedade privada. Sob esse aspecto, a censura era parte do que a ditadura chamava de “guerra interna”, que tinha numa ponta o cerceamento da livre expressão do pensamento e na outra as câmaras de tortura.

A derrota da ditadura e a instauração de uma democracia liberal resultaram, ainda que conservadoramente, em um arejamento da vida brasileira. Sindicatos de trabalhadores, MST, juventude, movimentos de mulheres, ONGs etc. proliferaram-se e o tratamento de cacetete e eletrochoque dado às ações reivindicatórias e críticas foi substituído pela pressão das negociações, pelo maior peso do Legislativo e do Judiciário e pelo exercício do poder, no caso do Executivo, nos termos da lei.
O evento da democracia significou também uma maior porosidade do Estado para com as demandas sociais, o que significa que, diferente da ditadura quando o poder era exercido em mão única, de cima para baixo, passa a caber ao Estado dar curso às pressões por melhoria das condições de vida da população, buscando inclusive formas de solucionar impasses surgidos entre oposições de interesses de segmentos da própria sociedade.

A luta pela regulamentação e pelo controle externo dos meios de comunicação, muitíssimo diferente disso, não são uma ação arbitrária do Poder Executivo, são antes exigências antigas dos movimentos organizados que lutam pela democratização desses mesmos meios, que não podem e não devem permanecer impermeáveis às pressões da sociedade, à qual, em última instância, eles endereçam suas mensagens.
Quando movimentos organizados exigem qualidade na programação das TVs abertas, quando a sociedade questiona conteúdos afrontosos diretamente não à “moral” ou aos “bons costumes”, algo bastante subjetivo, mas aos diretos do consumidor, ao Estatuto dos Idosos, ao Estatuto da Criança, e dos Adolescentes, muitas vezes ao próprio Código Civil, não agem arbitrariamente nem regidos por subjetivismo, mas em defesa de princípios democráticos e da lei.

A título de ilustração, pesquisa do Ministério da Justiça, financiada pela UNESCO (Agência Retrato-IBOPE), de 1997, apontou 75% de respostas favoráveis ao controle externo sobre a programação das emissoras.
Se, quando programas sensacionalistas exploram, no pior sentido do termo, à náusea, a infelicidade de famílias vítimas de violência atroz, incorrem em muitas imoralidades, expondo-as a ainda maiores atrocidades, incorrem igualmente e em maior grau em transgressões legais que não devem ficar impunes. A sociedade não pode admitir que nenhum de seus segmentos atue acima das leis e torcendo-as para seus próprios interesses.

Do ponto de vista histórico, a censura foi oficialmente extinta, não permitindo a Constituição Federal, Lei maior, que qualquer dispositivo legal, lei menor, a reintroduza, e assim, quando os grandes monopólios das mídias acusam os projetos do governo Lula de visarem restaurar a censura, agem como o ladrão que sai gritando “Pega ladrão”. O que pretendem é, mobilizando um sentimento justo de ojeriza à censura, sentimento enraizado e fruto de muita luta democrática, manter privilégios e alcançar outros ainda maiores. Nesse caso, a inocência será muitíssimo útil a propósitos extremamente reacionários e danosos à população em geral e aos trabalhadores em particular.


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