A natureza nacional das práticas e ações do cineclubismo se dá pela contingência de que o movimento tem raízes e se situa no âmbito da nação, realidade inescapável, constituída historicamente e que, por sua vez, é produto de uma articulação complexa entre povo, país e Estado.
A constatação de que o povo brasileiro é híbrido sob todos os aspectos, sejam eles culturais ou biológicos, exige do militante cineclubista não apenas postura despida de preconceitos e de sectarismos de toda ordem, como também atitude de defesa do convívio e intercâmbio das diversidades, o que o situa na posição de intermediário cultural e articulador de segmentos ou comunidades por meio das atividades cineclubistas.
Ser intermediário cultural significa posicionar-se na fronteira, assumindo-se a incumbência de facilitar o comércio simbólico intra e internacional, o que não se faz explorando intolerâncias, estimulando dissenções, elegendo a ênfase na divergência em prejuízo do diálogo, da busca do acordo e da luta por objetivos comuns. Sem dúvida, exercer a função de intermediário cultural não é fácil, pois implica enfatizar, em favor de um projeto nacional e socialmente justo, elos possíveis – e nem sempre evidentes - entre grupos políticos ou de interesses muitas vezes divergentes.
Outra condicionante de práticas e ações desse movimento é a de ele atuar no interior de fronteiras físicas que, no caso brasileiro, compreende um imenso e diversificado patrimônio territorial, material e simbólico espalhado por uma área de magnitude continental. Essa dimensão geográfica põe o movimento frente a enormes dificuldades e, ao mesmo tempo, possibilidades.
As dificuldades dizem respeito não apenas às longas distâncias que separam cineclubes, cineclubistas e atividades cineclubistas uns dos outros, o que implica em ônus adicional para estabelecimento, manutenção e alimentação de um circuito produtor, difusor e exibidor nacional, mas diz respeito igualmente às particularidades regionais de desenvolvimento econômico e de infra-estrutura urbana.
O conhecimento dessas particularidades é essencial para instalação e continuidade de atividades cineclubistas e de audiovisual comunitário, pois se relacionam aos vínculos mais íntimos entre o movimento e a comunidade, sem os quais as iniciativas perdem sua razão de ser. E, contraditoriamente, as imensas distâncias são um infinito manancial de diversidades. Conforme se muda de paisagem, novas realidades inusitadas se oferecem, desafiando a criatividade e instigando a se descobrir os segredos guardados na geografia, no patrimônio histórico e arquitetônico, na memória e no coração das pessoas.
Uma terceira dimensão da natureza nacional das ações cineclubistas é a do Estado, que tem caráter de classe, existe frente a outros Estados e que precisa ser considerado no momento de pesquisa de necessidades, de estabelecimento de objetivos e em todos os momentos de desenvolvimento de práticas e ações.
O Estado brasileiro, como todos sabemos, está subordinado historicamente às elites econômicas, chefiadas nos dias atuais pelo segmento financeiro, cujas relações com os interesses imperialistas, em primeiríssimo lugar o norte-americano, são intrínsecas, interesses que se têm traduzido ultimamente na doutrina neoliberal.
Frente a essa característica do Estado brasileiro, as práticas e ações do movimento cineclubista precisa investir-se de características de luta reivindicatória, pela democratização do audiovisual, e política, pela transformação do Estado, o que envolve mobilização e pressão para quebrar as cadeias que subordinam o Estado brasileiro às elites econômicas e aos interesses imperialistas. E essas cadeias não parasitam apenas os Executivos nos níveis federal, estadual e municipal: parasitam também os poderes legislativos e judiciários nos mesmos – a às vezes em piores – termos.
Militar no cineclubismo no Brasil é, assim, ser três vezes vanguarda: vanguarda na defesa de um povo plural e livre, de um país diverso e soberano, e de um Estado verdadeiramente democrático, porque voltado para a justiça social.
Topas?
Cineclubismo: nacional, democrático, militante
4/12/2005
Os objetivos mais estratégicos do cineclubismo estão ligados à democratização do audiovisual em toda sua cadeia, da produção à fruição, e são estabelecidos a partir de uma análise concreta das condições nacionais, estas, por sua vez, submetidas às pressões titânicas do capital multinacional, representado pelo imperialismo norte-americano em primeiríssimo lugar.
Por isso, militar nesse movimento é travar uma luta diligente pela afirmação das identidades e diversidades sociais, locais e regionais, cujas conseqüências são o fortalecimento de valores nacionais, e democráticos, que possibilitam articulações comunitárias internacionais, frente à ação unilateral do imperialismo norte-americano, cujo horizonte é a uniformização cultural do mundo pela lógica do hambúrguer.
Necessidades e objetivos se apresentam inevitavelmente ao cineclubismo, como a qualquer outro movimento, e são elementos de conteúdo sem cuja definição não se vai a lugar nenhum. Porém esses dois elementos não se completam por geração espontânea: é necessário que um outro elemento essencial entre em jogo, e esse elemento é a ação.
Definidos, as necessidades e os objetivos, no caso do cineclubismo apontando no início deste texto, a natureza das ações e práticas adotadas torna-se o principal item para o sucesso ou fracasso, pois são as ações que, progressivamente, concretizam o projeto que dá razão de ser ao movimento.
A essência de um movimento social ou cultural, assim, não se dá apenas pela articulação de necessidades, das quais se parte, e objetivos, os quais se almeja atingir, mas também, e com igual ênfase, pelo caráter das práticas eleitas ou desenvolvidas.
No cineclubismo, como de resto em todos os demais movimentos sociais ou culturais, se as questões de conteúdo não são alheias às de forma, tampouco há acomodação automática entre aqueles e estas. Noutras palavras, se necessidades e objetivos são definidos pelo trabalho consciente, as práticas e ações a eles correspondentes só podem ser produto de um semelhante esforço intelectual produtivo e criativo.
Destaco no desenvolvimento e produção de práticas e ações cineclubistas três dimensões que precisam ser articuladas para que o trabalho cotidiano não perca de vista os objetivos estratégicos do movimento; são eles: sua natureza nacional, democrática e militante.
A natureza nacional das práticas e ações cineclubistas é dada pela contingência de que o cineclubismo se situa no âmbito da nação, realidade inescapável, constituída historicamente, e que, por sua vez, é produto contraditório da interação complexa entre povo, país e Estado.
A natureza democrática das práticas e ações desse movimento relaciona-se às necessidades que visa atender e aos objetivos aos quais se destina, ambos repousados em princípios de justiça social e econômica, de liberdades políticas e de respeito à diversidade cultural e biológica humana.
A natureza militante das práticas e ações do cineclubismo deriva do fato de que esse movimento volta-se para a interferência na realidade, para ação coletiva e transformadora.
Essas questões serão abordadas nos próximos artigos.
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