sábado, 11 de junho de 2011

Cineclubismo e entidades de massa

9/6/2004 

Recentemente um amigo me telefonou entusiasmado: deu uma busca na internet e descobriu a Carta de Brasília, da 24ª Jornada Nacional de Cineclubes, no portal da UNE. Perguntou se eu tinha conhecimento do documento. Disse que sim, pois coube a mim a tarefa de redigi-la em nome do movimento. Perguntou se sabia que ela estava no Portal da UNE. Disse-lhe que sim, pois eu a havia enviado.

De início ele ficou meio decepcionado, pois queria me dar uma notícia incrível, mas depois se animou novamente: achava espetacular a UNE se aproximar novamente do movimento cineclubista. E, realmente, a UNE abrigar a Carta que marca a reentrada do cineclubismo na vida cultural brasileira é uma demonstração de largueza de espírito.

Grandes filmes e diretores saíram, via movimento cineclubista, dos CPCs da UNE. Cinco Vezes Favela e os respectivos diretores que o digam. Ocorre que o fio que ligava a UNE ao movimento partiu-se na década de 1960, e até agora não está bem atado.

Temos notícias de vários cineclubes ligados à UNE, todavia, ainda não conseguimos articulá-los para que integrem nossos fóruns. Creio que isso tira força de ambos os lados, pois se um cineclube isolado tem o alcance de sua ação reduzido, um movimento cineclubista desfalcado de cineclubes estudantis tem sua força bastante debilitada.

A reaproximação dessas duas importantes forças culturais e sociais do Brasil, a UNE e o Movimento Cineclubista, não é coisa simples. O golpe militar fez cada um ir para seu lado e a crise do cineclubismo na década de 1990 não ajudou a diminuir as crescentes distâncias que se foram somando nas décadas de 1970 e 1980.

Tenho notícias de cineclubes universitários em atividade contínua. Para dar um poucos exemplos entre os muitos sabidos: no Ceará, o cineclube Casa Amarela tem dado boas notícias, inclusive procurando agregar outros para realizar projetos comuns. Em Santos, o cineclube Lanterna Mágica, que funciona na Universidade Santa Cecília, mantém um trabalho de anos que já virou tradição na cidade, em São Paulo, o cineclube Laboratório da Imagem, dos estudantes da Faculdade Fernão Dias, em parceria com a União dos Aposentados e Pensionistas de Osasco (UAPO), organizou o cineclube Idade do Ouro, e com ele faz programação conjunta todas as terças com ótima repercussão na comunidade.

Como o assunto é cineclubismo e entidades de massa, e, já que falei do sindicato de aposentados e pensionistas de Osasco, que tem seu cineclube, passo agora a tratar um pouquinho do quanto um cineclube pode ajudar uma entidade sindical ou popular.

Onde a atividade cineclubista se instaura, o cotidiano se dinamiza, fica mais rico, mais gente passa a freqüentar a entidade e isso em perspectiva significa elevação do grau de consciência coletiva. Exibir filmes, seja com uma televisão de 29 polegadas, seja com um data-show ou projetor de vídeo, seja com projetor de 16mm ou 35mm, e debater, gravar entrevistas, eventos, passeatas, assembléias de maior importância com câmeras domésticas, manter arquivo fotográfico para preservar a memória da entidade, tudo isso são atividades que, na ausência do cineclube, ocorrem apenas esporadicamente. Porém, se um cineclube existe... A fita da passeata, em cópia editada com maior capricho torna-se um documentário para os associados, as entrevistas bem roteirizadas e editadas tornam-se material inestimável de memória e de pesquisa.

Coisa parecida com isso sei que ocorre no Sintaema, o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Águas e Meio Ambiente de São Paulo. Com frequência lá se programam e exibem filmes importantes para a formação do trabalhador, sejam documentários ou de ficção. No aniversário do Golpe Militar realizaram atividades que envolveram inclusive a comunidade, para além da própria categoria profissional. Penso que estão a um passo de um cineclube. Ganhariam muito se organizassem um, e se se articulassem com o movimento cineclubista, pois a ação ficaria potencializada e repercutiria também no meio cultural, que por sua vez receberia uma arejada das práticas dos trabalhadores organizados.

A articulação entre entidades de massa, movimentos sociais e o cineclubismo seria algo extremamente benéfico a todos. As entidades e movimentos necessitam lutar para que a consciência de seus membros se eleve, caso contrário seu poder de mobilização fica restrito a lógicas corporativistas.

Não fui eu quem inventou a frase: "uma imagem vale mil palavras". Muitas vezes, o discurso oral, o texto escrito, do curso dado no sindicato ou no centro acadêmico não atingem profundamente aqueles que dele participaram. Isso se deve muitas vezes ao fato de a linguagem verbal, ainda mais se excessivamente teórica, não conseguir percorrer todo o caminho entre quem fala, ou escreve, e quem ouve ou lê. O domínio crescente das tecnologias audiovisuais e seu emprego criativo (televisão, cinema etc.) permite que essa distância se encurte vertiginosamente: uma longa descrição oral pode ser mal compreendida, mas um pequeno documentário que mostre a crueza com que trabalhadores são tratados pelo mundo chega direto às pupilas e aos ouvidos, e, deles, ao coração e à razão de todos.

Todo sindicato, toda entidade estudantil e todo movimento social deveriam ter seus cineclubes, para exibir filmes e documentários importantes de serem assistidos, para estudar as mensagens que são transmitidas nas fitas, DVDs e na tevê, para registrar, produzir e reproduzir suas próprias versões dos fatos, da vida e da história. O barateamento da tecnologia permite hoje que isso seja feito. E acho uma pena que não ocorra ou que ocorra apenas em parte das potencialidades.

Há tempos insisto nesse tema e pretendo continuar a fazê-lo: a articulação entre cineclubismo e entidades de massa, mais que possível, é necessária. E o entusiasmo daquele meu amigo não é vão, não: é santo.

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